Por: Enéias Tavares
Nessa segunda entrada do Noitário da Produção de A Todo Vapor!, Enéias Tavares explica aos leitores de Brasiliana Steampunk como foi trabalhar com uma história inédita baseada em seu universo e o porquê de rejeitar qualquer esforço de adaptar histórias já publicadas.
Para um escritor ou escritora, a adaptação de seu romance seria uma dádiva celeste. Todavia, há uma série de limitações conhecidas e anunciadas em se pegar uma história criada para uma mídia e transpô-la para outra. Histórias literárias dependem de frases e são ilimitadas quanto ao escopo ou grandiosidade. Histórias em quadrinhos dependem da imaginação visual do roteirista e da habilidade artística do ilustrador. Já histórias audiovisuais…
Bem, filmes e séries televisivas dependem de muitas coisas e de muitas pessoas e de saída esbarram num aspecto central à realização ou ao fracasso de muitos projetos: orçamento! Uma coisa é imaginar um salão palaciano com cem lareiras e outra é querer transformar isso num filme no qual o diretor tem grana para um salão com… 4 lareiras! George R. R. Martin usa esse exemplo para explicar o porquê dele ter abandonado por certo tempo o trabalho como roteirista de TV para se dedicar ao mundo literário de Westeros. Quer dizer, quando você é um escritor, seu orçamento para tais aspectos é ilimitado, sendo o teto financeiro o alcance de sua imaginação.
Uma Coisa é um Mundo Literário… Outra é construir isso na realidade!
Com A Todo Vapor!, eu sabia que não iríamos adaptar A Lição de Anatomia do Temível Doutor Louison, o livro I da série, por uma questão básica: não teríamos orçamento para a) filmar em Porto Alegre; b) construir as dezenas de autômatos robóticos que estão ao redor de Louison e Beatriz durante boa parte da trama; e c) nos mudarmos para Paris para usar cenários como a estação de metrô Arts et Metiers – Fig. 1 – como locação, por mais que esta última ideia fosse tentadora! Além disso, para um cara que trabalha com Storytelling Transmídia e que é apaixonado por histórias em geral e as várias formas possíveis de contá-las, a ideia de uma única história repetida em diferentes mídias é bem menos interessante do que o potencial de usar uma nova mídia para contar uma nova trama.
Como limitações são um grande auxílio – e não um grande entrave, acreditem-me! –, essa constatação me obrigou a repensar o cenário da história: não poderá ser Porto Alegre, sobretudo porque não será filmada no sul do Brasil. O QG da Cine Kings fica em São Paulo e todo o elenco e produção seria paulistana, com exceção do sulista aqui e do ator carioca que seria escalado para dar vida ao temível doutor Louison. O enredo também não poderia ser ambientado em SP capital, pois isso também complicaria a trama. Então, por que não levar nossos heróis para um interior em que robóticos não seriam tão comuns? E a escolha por Paranapiacaba foi óbvia, pois trata-se de uma vila histórica e turística, administrada pela cidade de Santo André, que foi adotada pelos entusiastas do Conselho Steampunk como o cenário sede da SteamCon. Como veremos, essa escolha nos daria muita dor de cabeça!
Paranapiacaba: A Locação Perfeita para uma Aventura Steampunk
Mas quais heróis? Antes mesmo de irmos para o roteiro, eu sabia que Felipe Reis – o mestre do projeto enquanto diretor e produtor – seria também o protagonista e que ele traria consigo a atriz e apresentadora Thais Barbeiro, grande parceira dele em outros projetos audiovisuais. Olhando para os dois, fiquei na dúvida sobre quais heróis de Brasiliana Steampunk eles interpretariam. Reis é muito jovem para Louison e muito velho – ou muito jovem! – para o imortal satanista Solfieri, ao passo que Thais não tem o biótipo de Vitória Acauã e nem o estilo de uma Pombinha ou Léoni, por exemplo. E dessa outra limitação mais uma ideia nasceu, talvez uma das melhores: por que não personagens inéditos para a dupla?
Pensar no visual e no jeito de falar de Felipe Reis me levou a um herói tipicamente brasileiro: aquele sujeito meio ferrado na vida, mas ao mesmo tempo charmoso e alegre, piadista bem-humorado, mas não ao ponto de ser irritante, como um Jack Sparrow perdido em paisagens tupiniquins. E é claro que ele deveria se chamar Juca Pirama! Mas o poema de Gonçalves Dias não remete a um passado muito distante do 1908 em que a série se passa? Bom, pensei, então ele será um sujeito nomeado a partir do poema. Simples assim. Quanto à Thais, os olhos marcantes e perspicazes unidos ao sorriso aberto e hipnótico só poderiam me levar a mais amada – e mal compreendida – das nossas heroínas: Capitolina Santiago!
Felipe Reis e Thais Barbeiro: Os Protagonistas de A Todo Vapor!
Esses dois heróis paulistanos trariam de suas vidas na capital uma série de dramas peculiares e um passado repleto de segredos. Ele, advindo de uma escola de bruxaria e ciências arcanas que foi fechada pelo governo monárquico por acusações de práticas demoníacas. Ela, traria um histórico de abuso doméstico que resultou numa fuga para a Europa, no óbito de um filho e na dissimulação de sua própria morte. Ao voltar ao Brasil, teria de mudar o nome e, de Capitu Santiago, ela se tornaria Capitu de Machado, assim como outros personagens da série que acabam referindo a seus criadores em seu nome, como Sergio Pompeu e Solfieri de Azevedo.
Juntos, a dupla de investigadores irá até Paranapiacaba das Névoas para investigar uma série de crimes… Mas quais crimes? Perpetrados por quem? Com qual objetivo? Este é o assunto que trataremos na semana que vem. Se você gostou dessa coluna, compartilhe em suas redes sociais e indique aos seus amigos & amigas. Nossa principal meta com A Todo Vapor! é criar algo inédito em nosso país: um Universo de Super-Heróis que tenha a nossa cara e fale a nossa língua. Em outros termos, uma Liga Extraordinária totalmente Tupiniquim!
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